GENTE BACANA

PUBLICADO EM ZEROHORA EM 08/11/2017

 

Há alguns dias, no início da noite, aguardava na fila para embarcar no aeroporto de Congonhas de volta a Porto Alegre, depois de um bate e volta para reuniões de trabalho.

Enquanto esperava o embarque, chegaram duas senhoras, certamente passadas dos setenta anos, sendo que uma delas, que vou chamar aqui de Dona Gerta, era extremamente falante e de alguma forma foi animando e tomando conta daquele ambiente de fisionomias cansadas.

Contou que voltava de uma excursão, mas que também dias antes visitara um filho que mora em Orlando, na Flórida, com a esposa e quatro filhos e que costuma visitá-los periodicamente. É professora de alemão e mora em Ivoti, para onde se dirigiria após chegar em Porto Alegre. Também falou um pouco mais de sua vida, que havia ainda esse ano perdido o marido e posteriormente um filho em um acidente. Relatou aquilo tudo de forma resignada, comentando o que é a maior tristeza que pais podem ter na vida, que é enterrar um filho; disse que estava indo encontrar a nora, porém o que mais me impressionou foi que, apesar da resignação, disse tudo aquilo sem perder o brilho nos olhos.

Me disse que permanecerá em Ivoti e na sociedade de que é parte, também como integrante da comunidade luterana que celebra os quinhentos anos da Reforma de Martinho Lutero e que sua vida continuaria, com família, amigos, alunos e religião. Fiquei tocado por ela, pois ajuda a lembrar que nosso mundo é feito de muitas Donas Gertas, gente bacana, que levam suas vidas criando suas famílias, trabalhando e passando bons valores, iluminando um pouco aqueles com quem convivem, em que pese os muitos contratempos e tropeços que a vida por vezes lhes reserva.

Acostumados com um mundo lotado de malfeitos de lulas, cunhas e cabrais e outros tantos condenados; pelo crime que se baseia no tráfico de drogas e seus consumidores cúmplices; pelos mais diversos ilícitos praticados no dia a dia e com o aprisionamento do Estado por todo o tipo de corporações públicas ou privadas, lembrar que gertas existem e que são a maioria em nosso meio conforta e ajuda.

Trabalhando já há algumas décadas com matéria econômica, normalmente tão duras, me fez bem conhecer Dona Gerta e sua história e em especial sua energia e seu persistente brilho nos olhos, o que ajuda a repensar um pouco na vida e seus reais valores, em especial quando há poucos dias nasceu Alícia, minha netinha, que merece um mundo um pouco melhor do que o que construímos até aqui. Só me arrependo de não ter perguntado o real nome de Dona Gerta e agradecer por ouvir um pouco de sua história, razão pela qual tive aqui que inventar seu nome. Mas, quem sabe, nunca será tarde para descobrir.